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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Artigo: O Chamado Integral.

O Chamado Integral

hearersCom toda esta belíssima história, os cristãos não podem se satisfazer meramente como nominais “igrejeiros”: Será que a vida cristã se resume a frequentar a igreja, entregar ofertas, celebrar os sacramentos, ter comunhão com outros membros de igreja e ir para o céu? A questão do chamado não passa de uma frase de efeito, como comida velha esquecida num canto da geladeira. O chamadono Novo Testamento tem um sentido mais técnico, mais básico: o convite dado a homens e mulheres por Deus para aceitar a salvação através de Jesus Cristo. Entretanto, chamado também é vocaçãopara o serviço. Neste sentido, cada cristão é chamado para ser semelhante a Cristo no caráter e no zelo do testemunho. Viver para Cristo é uma vocação continuada. Nossa profissão não suspende a fé. As horas passadas no escritório não devem interromper a comunhão com Deus. Não há cristãos de tempo parcial. Ser um cristão é declarar constantemente a supremacia de Deus nas palavras e obras, no extraordinário e no habitual, o tempo todo, em tudo e em todos os lugares.
Deus chama o seu povo ao discipulado radical. Um discípulo é alguém que se torna seguidor de Jesus. Ele crê em Jesus como Salvador e Senhor e é ensinado a viver “todas as coisas” que Jesus pregou e praticou. Tal discipulado deve ser revolucionário. Não é apenas uma questão de cérebro, conceitos e teorias, mas também de coração, prática e experiência. O chamado ao discipulado envolve conhecimento, redenção, transformação e re-criação de si mesmo.
Tal qual a Reforma do século 16 recuperou o sacerdócio de todos os crentes, no século 21 a igreja precisará recuperar o chamado integral de todos. A diferença entre a igreja reunida nos templos cultuando no domingo e a igreja dispersa durante os dias da semana – em todos os lugares como sal fora do saleiro – ainda é imensa! Os cristãos espalhados na cidade devem servir como agentes sagrados de mudança nas esferas sociais onde trabalham e transitam, resultando em transformação. Sejamos tão bons esparramados como somos reunidos!
Comecemos redescobrindo uma visão integral do chamado. O apologista cristão Os Guinness nos lembra que o chamado foi o elemento vital na transição do mundo medieval para o moderno. “Isso requisitou e inspirou a visão do senhorio de Cristo expressa na famosa frase do Primeiro Ministro da Holanda, Abraham Kyper: ‘Não há um centímetro quadrado de toda a criação pelo qual Jesus Cristo não clame:  É meu! Isso pertence a mim!’” O chamado deu ao empreendimento de fazer de Cristo o Senhor de cada parte da vida uma nova força que transformou não apenas igrejas, mas também impactou para sempre a cosmovisão e cultura de vários países, especialmente aqueles influenciados pela reforma protestante. Escrevendo acerca do “Estado de casamento” em 1522, Lutero declarou que “Deus e os anjos sorriem quando um homem troca fraldas”. O chamado em questões práticas como trabalho, economia, política e administração deu às pessoas humildes e às tarefas ordinárias uma igualdade que abalou as hierarquias antigas e foi um impulso vital em direção à democracia. “A Escritura fala a toda a nossa vida e mundo”, diz Woltes, “incluindo tecnologia, economia e ciência. O alcance do ensino bíblico inclui questões ‘seculares’ ordinárias como trabalho, grupos sociais e educação” (Wolters, p. 7). Desta maneira, o chamado inclui todas as áreas – pessoal, institucional, social, política e religiosa – todas devem ser tocadas pela obra renovadora de Jesus Cristo. O chamado não é apenas para o serviço, mas para um novo estilo de vida.

Convicção do chamado?
Em todas as partes do mundo, as pessoas têm cada dia mais pensado em religião. O último censo brasileiro afirma um crescimento dos evangélicos espantoso, chegando a quatro dezenas de milhões de pessoas, e para os mais otimistas cinco dezenas. Por isso, dentro desse crescimento era de se esperar que existissem vocações religiosas, mas o que se vê é uma grande carência delas.
            O meio católico romano não fica atrás. Observando grande deficiência na área vocacional, a igreja romana resolveu investir pesado nessa área. O Papa João Paulo II, em 2003, escrevendo aos brasileiros envolvidos em despertar vocações relata a preocupação da igreja romana nesse sentido:
Há um toque de despertar de homens e de mulheres para o transcendente, que os chama a “participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade” . Mesmo assim, permanece viva a preocupação da Igreja pela carência de vocações sacerdotais e religiosas, que não acompanham as necessidades do povo fiel em contínuo crescimento. [1]
 Poderíamos usar essa frase de João Paulo II, para expressar nossa preocupação legítima com a carência de vocações que estamos vivendo. Há uma busca pelo sagrado, mas uma necessidade de vocações. E quando surge vocações? Como tratamos delas? A missionária Antonia Leonora van der Meer[2] passou por uma experiência bem interessante:
Fui convidada para falar sobre missões numa igreja bem viva e dinâmica. A família que me hospedou não se cansava de ouvir minhas experiências missionárias. Até que, de repente, a filha que estava para terminar o curso de medicina começou a mostrar que estava seriamente considerando a possibilidade de servir na obra missionária. O ambiente mudou totalmente: “Isso seria uma loucura!” Muitos cristãos ainda consideram o missionário basicamente um maluco. Como é que uma pessoa de boa formação ou com responsabilidades dentro da família abandona tudo e todos para embrenhar-se em alguma selva entre povos tribais ou para confrontar situações de alto risco em países resistentes, onde há falta de segurança e de confortos básicos?  “Missionários solteiros, tudo bem” (desde que não seja meu irmão ou minha filha), mas um casal com filhos é o cúmulo do absurdo! É claro que Deus não pediria uma coisa dessas para seus filhos!” É o pensamento de muitos. [3]
 É verdade. Não sei qual seria minha reação se minha filha me dissesse que está se sentindo chamada por Deus para ser missionária na África, China ou mesmo entre uma das tribos urbanas brasileiras hoje. Esse sentimento de proteção, falta de confiança da igreja naqueles a quem Deus vocaciona e falta de apoio tem minado muitas vocações.        Nossa região eclesiástica tem passado por um momento distinto. De cinco anos pra cá surgiram muitas vocações. Todos aqueles que foram chamados tinham (ou têm) o desejo de serem pastores ou pastoras. Mas devido à crise financeira que assola o país, não temos como sustentar adequadamente cada seminarista. Oferecemos duas alternativas: ou se espera mais um pouco para o envio à instituição teológica ou se associe a uma igreja para que seu sustento seja complementado.
A segunda opção normalmente é a mais optada. Mas isso gera uma carga de problemas. Um desses seminaristas, depois de quase dois anos estudando, estava em dúvida quanto ao seu chamado. Conversando e orando, cheguei com ele à causa do problema: financeira. O rapaz, que no início de seus estudos tinha convicção de que fora chamado por Deus, agora estava com seus ânimos arrefecidos depois de passar por várias situações delicadas na área econômica.
São dois lados da moeda. Num, oramos para que Deus mande trabalhadores para a sua seara. No outro, não cuidamos devidamente daqueles que Deus manda.
O que fazer então? Ter a convicção de que Deus nos vocaciona para sua obra e usa quem Ele deseja é o primeiro passo para uma verdadeira compreensão do chamado. Depois é necessário que entendamos que Ele chama a todos nós, sem excessão, para uma vida que manifeste o amor Dele em todo o tempo e em todos os lugares.

[1] João PAULO II.  Carta de João Paulo II por ocasião do ano vocacional – 2003.
[2]  Antonia Leonora VAN DER MEER.  Missionário: maluco, mártir, mendigo ou o quê?  www.ultimato.com.br
[3] Antonia (Tonica) foi missionária durante dez anos em Angola e agora trabalha na formação e no cuidado pastoral de missionários, no Centro Evangélico de Missões (CEM), em Viçosa, MG.

Rubens Muzio

Rubens Muzio é missionário, atual vice diretor (ministérios) da Sepal, e coordena o Projeto Brasil 21.
Pastoreou em São Paulo e no Canadá por mais de 10 anos. Leciona disciplinas na área de Teologia Prática: Liderança, Desenvolvimento e Gestão Ministerial, Plantação e Crescimento de Igrejas, Missões Urbanas e Espiritualidade integral.

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