A lei que mata
por Leandro Bueno
Eu me formei em Direito em 1995, e desde então trabalho quase o dia todo com leis e estas podem ser definidas como normas ABSTRATAS de comportamento que buscam regular as relações humanas.
Ou seja, a lei isoladamente ela é fria e dirigida a todos indistintamente, criando direitos e/ou deveres que devem ser cumpridos, sob pena de sanção.
Ocorre que ao passar do tempo, analisando inúmeros processos, comecei a observar algo muito interessante e que nos meus primeiros anos atuando na área, nunca tinha parado para pensar. É como se uma ficha caísse dentro de mim, um lampejo. E o quer foi isso?
Foi o entendimento de que, em muitos casos, eu poderia estar 100% respaldado na lei e mesmo assim estar cometendo uma imoralidade ou algo extremamente danoso ao meu próximo.
Um exemplo que me recordo foi tempos atrás onde li uma reportagem em um jornal de um pequeno e humilde agricultor e sua família que iam perder a casa na Justiça, único bem que possuíam, por uma dívida de apenas R$ 1.050,00 que contraíram em uma instituição financeira poderosa, para obterem um crédito para produzir.
Ou poderíamos questionar a própria moralidade da aplicação da pena de morte. Em muitos locais ela é LEGALMENTE prevista, mesmo em tempo de paz. Interessante ver é que muitos dos defensores da pena de morte são radicalmente contrários ao aborto, sendo que pela lógica do discurso, que eu defendo, ambos atos deveriam ser evitados.
Mas, o problema da lei em si, não é ela propriamente dito, mas são as consequências que podem advir quando ela vira um FIM EM SI MESMA, dando ensejo a maldades e abusos.
E o pior é que, como regra, ninguém pode questionar que você está agindo de forma errado, já que você possui a lei ao seu lado. Entendem onde quero chegar ?
Fazendo um paralelo bíblico, talvez muitos dos fariseus que Jesus repreendeu durante seu ministério neste mundo cumpriam todos ou quase todos os 613 mitzvot, que são os mandamentos contidos na Torá e na lei rabínica em geral e em virtude disso, eles achavam que estavam “quites” com Deus, que eram seres com estatura moral superior aos demais a despejar todos os tipos de fardo sobre àqueles que não se amoldavam a isso, esquecendo que o verdadeiro juiz era Deus.
Ou então, a história que nos é contada em Mateus 19.16-23 do Jovem Rico, o qual era um cumpridor exemplar dos mandamentos da lei judaica e talvez chegou para Jesus se sentindo o verdadeiro “crème de la crème”, o “super-crente”, a “cereja do bolo“ até receber uma singela colocação do Mestre, que foi exatamente ali no seu “calcanhar de Aquiles”, no local onde estava depositado o coração daquele jovem, o seu tesouro.
É como se o apego que aquele jovem tinha a MAMON, que é uma potestade, fosse algo que tornava feio o coração daquele jovem, que mostrava como seus valores estavam invertidos, apesar de possivelmente para a sociedade da época ele ser um exemplo a ser seguido por todos, um “bom-partido”, já que para muitos o que conta, de fato, não é a vida com Deus, mas, sim, as exterioridades, as superficialidades.
E nestes dois casos que mencionei, o que faltava a eles para agradarem a Deus, se eles eram, em tese, cumpridores exemplares da lei ? Faltava, a meu ver, o principal que era o amor ao próximo, o desapego, a empatia, o “calçar o sapato” do outro em sua dor.
Assim, a lei ela deve ser sempre contextualizada e aplicada com um olhar de graça em cada caso de forma diferenciada, particularizada, sob pena de cometermos extremas injustiças e por uma razão simples: Todos somos diferentes e temos histórias de vida diversas, contextos diferentes.
É como nos ensina a famosa máxima do pensador espanhol Ortega y Gasset que disse: “o homem é o homem e a suas circunstâncias”.
Sucede que, como regra, a lei quando ela se encerra em si mesma, ela desconsidera esse segundo componente fundamental para entender o ser humano que são as circunstâncias em que ele se encontra inserido no seu momento histórico e social.
Se nossa salvação dependesse apenas do cumprimento fiel de leis, de antemão estaríamos todos já condenados, pois pecamos e destituídos estamos da glória de Deus (Romanos 3:23). Assim, se somos salvos, isso se dá pela obra vicária de Jesus na cruz e não pelo nosso próprio mérito, em cumprirmos com mais afinco as leis, principalmente quando a motivação é toda deturpada.
Daí, eu pensar que foi por isso que no coração de Deus, Ele possivelmente quis estabelecer a Nova Aliança, com o Período de Graça.
Isto porque, o ser humano ele é ótimo para se apegar apenas a mandamentos da lei, e a partir daí, criar uma justiça própria, de se sentir superior aos outros, ou então de começar a julgar os demais a partir da lei, porém, sem entender o ESPÍRITO por trás.
Um caso interessante, apesar de esdrúxulo, se deu com o judeu-americano A.J. Jacobs, vindo de uma família extremamente secularizada de Nova York. Ele escreveu um livro chamado UM ANO BÍBLICO. Apesar de judeu, ele se considerava um agnóstico , e se prontificou a passar um ano, seguindo literalmente os preceitos bíblicos, na sua busca para a pergunta que tinha no coração: Deus existe?
Não precisamos nem ler o livro, para saber que Deus não foi encontrado por ele, apenas nesta sua “ginástica bíblica”. Um exemplo, foi ele sacar 300 dólares do banco e amarrar as notas à palma de sua mão com uma linha, pois segundo sua “interpretação literal” de Deuteronômio 14:25, a Bíblia diz para se prender dinheiro a mão, litteris: “Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher o Senhor teu Deus.”
Daí, pergunta-se: Onde estariam as “boas-novas” do Evangelho, se este se resumisse a um comportamento assim como o de A.J. Jacobs, que se traduziu como uma mera PERFORMANCE ? Muito mais fácil é ele desembocar para aquela atitude de apenas apontar os erros dos outros ou passar a se ver como alguém cheio de si e presunçoso em demasia.
Atente-se que no Sermão da Montanha, foram registradas as seguintes palavras de Jesus, verbis: “Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido” (Mateus 5:17-18).
Porém, o que Jesus fez foi dar um sentido muito mais amplo a um mero cumprimento da lei mosaica, ao colocar que a lei só tinha sentido se encerrada no amor, como se vê em João 13,34: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.”
Ou seja, Jesus mostra que o mero mecanicismo no atendimento da lei não significava nada ou significava muito pouco, se tal obediência viesse divorciada da regra maior que era o amor. Em outras palavras, sem amor, a lei era letra morta e possivelmente geradora de culpas sem fim.
Sucede como bem nos coloca o pastor Karl Kepler, em seu livro “O Fascínio do Dever para os Cristãos”, onde ele faz uma belíssima análise do livro de Gálatas na questão graça x lei, que, no ensino de Jesus, como também de Paulo, João e outros autores do Novo Testamento, a motivação principal da vida cristã é a mensagem do amor de Deus, da salvação e descanso em Cristo, e da alegria e comunhão no espírito.
Acrescenta ele, que esta mensagem foi bem sucedida, dando forma a uma moral elevada, que não girava em torno de meras regras e deveres.
Assim, não se defende aqui, uma inobservância dos mandamentos, longe disso, mas, que o cumprimento destes seja feito em face de uma consciência maior e não algo simplesmente por fazer, sem qualquer compreensão.
Trazendo tudo o que escrevi acima, fiquei pensando no que ocorreu esta semana no culto de minha igreja local, quando o conselho, que a governa, decidiu, sem informar previamente a comunidade, que o pastor líder, um grande servo de Deus e muito amado dos irmãos, seria desligado.
E para respaldar a decisão unilateral, sem consultar os membros, o conselho, em seu comunicado, citou artigos atrás de artigos da Constituição da igreja.
É como se passasse a mensagem para a comunidade de que não poderiam ser questionados na sua decisão, uma vez que a lei da Igreja estava a favor deles. No Direito, temos até uma expressão Latina para isso, TOLLITUR QUAESTIO, ou seja, “A QUESTÃO ENCERRADA”, o martelo já foi batido, Inês é morta.
Aí, fiquei pensando comigo: Eu não sei o motivo real da decisão tomada pelo conselho, mas será que trazer de forma clara e transparente para toda a comunidade o porquê da não-renovação da permanência do pastor, não seria o minimamente correto?
Ainda mais quando este pastor está no momento bastante empenhado e feliz pelo casamento de seu primeiro filho, que se dará esta semana.
Senão bastasse isso, nem deram a oportunidade dele no culto de batizar o seu sobrinho, uma vez que o anúncio de sua saída se daria naquela mesma cerimônia, precisando outra igreja abrir as portas para que este pastor celebrasse o batismo da criança, que tinha vindo até de outro estado para isso.
E a meu ver, a invocação da lei ali apenas serviu para sufocar todos estes questionamentos.
O que eu senti claramente com o referido apego à lei da Igreja, sem maiores considerações dos envolvidos, e aí que eu faço a conexão com essa minha reflexão neste texto, é que tal apego só ajudou a fomentar tristeza e perplexidade no coração de muitos irmãos que atônitos foram surpreendidos com o comunicado unilateral.
Encerro aqui, pois sei que somos homens de coração duros e obstinados, e eu não me excluo disso, e que saibamos buscar na graça de Deus, a tônica do amor e da esperança e não no legalismo e nas literalidades da lei, que podem matar ou esvaziar até a centralidade da nossa fé, que é em Jesus.
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e não refletem, necessariamente, a opinião do Gospel Prime.
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fonte: https://artigos.gospelprime.com.br/a-lei-que-mata/
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